sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Uma aventura no morro

Após a cervejinha no Portuga, fui pra casa.

Nem bem cheguei, o telefone tocou.

Era um amigo, um carioca, o Om Shanti.

O nome dele não era este, mas era assim que ele gostava de ser chamado.

Tinha a ver com yoga e umas coisas místicas.

- Alô?

- Alous! Rattis?

- Sim, quem?

- Om.

- Om?

- Om Shanti!

- Ah! Fala aí, rapaz, há quanto tempo!

- Pois é, né?

- Quais as boas?

- O de sempre, trabalho, festas, mulheres, essas coisas.

- Pois aqui, nem trabalho, nem festa, nem mulher.

- Vou resolver teu problema, tu ainda tá morando no mesmo lugar?

- Sim, sim.

- Então espera um pouco, daqui a pouco tô passando aí!

- Falou!

Enquanto esperava o Shanti, fui ver se o vizinho havia deixado o jornal.

Estava lá, o de ontem e o de hoje, ele deveria estar viajando.

Muito bom.

Não demorou muito, ouvi o carro dele lá embaixo.

Dava para ouvir o ronco do motor de longe.

Era um Ford, bem velho, caolho, caindo aos pedaços.

Mas andava.

Não sei como, porém andava.

Desci.

- Fala Om! Beleza?

- Tudo certo.

- Mas e tu, que andas fazendo?

- Continuo trabalhando com festas, aliás, vim aqui te convidar pra ir numa comigo, vamos?

- Quer saber? Vou sim. Tô precisando mesmo espairecer.

- Então entra aí!

E já foi abrindo a porta do carro.

- Não, espera um pouco, tenho que deixar comida e água pro Gato.

- Gato? Mas tu sempre disseste que não gostava de gatos.

- Não, não, não é um gato, é um cachorro.

- Bah! Mas tu falaste gato.

- Gato é o nome dele.

- Peraí. Teu cachorro se chama Gato?

- Isso. No caminho te explico.

Após deixar Gato na cozinha, com bastante comida e água, e pegar um casaco, fui ao encontro de Shanti.

A festa era no Cacupé, não muito longe do centro.

Chegando lá, reencontrei um conhecido, um diretor de arte de uma conceituada agência de publicidade.

Já as outras pessoas, eu não conhecia ninguém..

Mas tudo bem, tinha muita cerveja e alguma coisa cozinhando numa panela imensa.

Após muita cerveja e de devorarmos o ensopado que estava cozinhando, resolvemos ir embora.

Demos carona a duas gatas.

Natália e Natércia.

Iam para o centro, também.

Aliás, para um morro, moravam perto de uma escadaria imensa.

Mas Om, apesar de morar aqui há décadas, não sabia que ali tinha uma escadaria.

Assim que as meninas se despediram, ele resolveu cortar caminho, e enveredou pela rua à frente.

Mas não era rua.

Era a maldita escadaria.

E lá fomos nós, ladeira abaixo.

Ou melhor, escada abaixo.

Quando ele conseguiu parar o carro, já tínhamos descido uns vinte degraus.

E agora?

Voltar não dava.

Ir em frente, nem pensar, até por que havia um hidrante logo abaixo, no meio da escadaria.

O jeito era ir embora e, de casa, tentar achar um guincho para rebocar o carro.

- Puta merda! Caralho! Que bosta!

- Calma Om, calma. Depois a gente resolve isso, vamos pegar um táxi...

- E tu achas que vou deixar meu possante aqui? Sozinho?

- Possante? Sozinho? É um carro, cara, não é gente!

- Mas ele nunca ficou longe de mim.

- Cara, tu tá transtornado, vamos embora.

- Não Rattis, vão roubar!

- Roubar como? Se não sai daqui, não sobe e nem desce?

O carro era bem velho, não tinha aparelho de som, nem mesmo um mísero rádio AM. E onde estava, nem o mais motivado ladrão conseguiria tirá-lo de lá. Só se tivesse um guincho ou guindaste.

Mas ladrão de carro não anda com guincho.

Depois de muitos protestos, ele concordou em ir até minha casa.

Era mais perto que a dele.

Para completar o show de horrores, na descida tropecei e caí de cabeça no chão.

Fui rolando o restante das escadas.

Já estava estropiado da surra, mas agora fiquei bem pior.

Abriu um talho na cabeça.

Era sangue pra todo lado.

Imediatamente, Shanti esqueceu do carro, achou que eu tinha que ir num hospital.

- Vamos para um hospital, Rattis! Abriste a cabeça!

- Não foi nada, desencana.

- Como não foi nada, cara? Tu tá que é só sangue!

- Não, não é nada. Só abriu um cortezinho, já estava machucado.

- Quié isso? Tu vai sangrar até a morte desse jeito.

- Que sangrar até a morte que nada! Já estou me acostumando a me arrebentar.

Tivemos que ir a pé, nenhum taxista queria nos deixar entrar em seus veículos.

Realmente, eu estava sangrando muito, mas cortes na cabeça geralmente sangram bastante, e raramente é problema.

Chegando em casa, fui averiguar os prejuízos.

Assim que parou de correr sangue, ficou só um corte ridículo.

Mas Om estava bem impressionado.

Aliás, até Gato ficou assustado.

E começamos a maratona telefônica em busca de um guincho.

Mas àquelas horas tardias da noite, nada achamos.

Arrumei o sofá pro meu amigo e fui pra minha cama, precisava descansar.

No dia seguinte, após um café bem forte, descobrimos uma coisa.

Um guincho não iria servir, teria que ser um Munck.

Ou seja, um guindaste.

Bizarro, isso.

Pior foi explicar para o sujeito do Munck onde estava o carro.

E como havia ido parar lá.

Isso foi mais bizarro ainda.

O sujeito não sabia se ria ou se chorava.

Viramos o assunto do dia naquele morro.

Natércia e Natália, sentadas no muro de sua casa, riam que se acabavam.

Apesar de ser triste, era até engraçado.

Até um carro da emissora local apareceu, mas para azar deles, o nosso carro já havia sido retirado do local.

Seria lindo, todos nossos amigos assistindo ao noticiário local.

E nós lá, com o carrinho de Shanty.

Escada acima.

Rebocado por um guindaste.

Mas verdade seja dita: o carro dele estava em melhor estado que eu.


Nenhum comentário:

Postar um comentário